CATEQUESE E DOUTRINA SOCIAL: QUESTÕES SOCIAIS NAS CARTAS DE SÃO PAULO (Parte 7)

por Dom Antônio de Assis Ribeiro

Bispo Auxiliar na Arquidiocese de Belém do Pará

Introdução

A sensibilidade social Paulina é fruto da aplicabilidade do mandamento do Amor na sua dimensão social em diversos níveis e contextos da vida pessoal, familiar, comunitária e social. Os conteúdos da moral social cristã presentes nas cartas de São Paulo, fazem referência às mais variadas dimensões da vida do fiel discípulo de Jesus Cristo. Não se trata de uma repetição do conteúdo dos Evangelhos, mas é continuidade e aprofundamento em coerência com as palavras, gestos e atitudes de Jesus Cristo.

Não pretendemos nesta reflexão apresentar a totalidade dos temas sociais presentes na literatura Paulina, mas simplesmente evidenciar alguns aspectos da sua sensibilidade social. A pregação pastoral de Paulo era profundamente marcada pela sensibilidade social afastando-se do intimismo. Vejamos alguns temas sociais:

  1. O meio ambiente: para São Paulo também a criação (natureza) é beneficiária da redenção; ela geme e sofre esperando a sua plena libertação porque está sujeita à corrupção. “A própria criação espera com impaciência a manifestação dos filhos de Deus” (Rm 8,19); vive na tensão da esperança para ser liberta da opressão e participar da liberdade e glória dos filhos de Deus (cf. Rm 8,21). A manifestação dos filhos de Deus acontece através da vivência do amor já aqui neste mundo e terá a sua plenitude na eternidade. As relações de fraternidade não estão confinadas entre pessoas, mas atinge também a natureza.
  2. A questão política: diante da necessidade de uma autoridade política para cada comunidade, São Paulo afirma que a autenticidade das autoridades humanas depende da sua sintonia com a autoridade divina, porque Deus é a fonte da autoridade (cf. Rm 13,1-2). A relação entre a autoridade e súditos não deve ser marcada pelo temor, mas pelo profundo senso de corresponsabilidade (cf. Rm 13,3-5); a finalidade do serviço da autoridade é a promoção do bem de todos. Mas cada cidadão é chamado a dar a sua contribuição: “Dêem a cada um o que lhe é devido: o imposto e a taxa, a quem vocês devem imposto e taxa; o temor, a quem vocês devem temor; a honra, a quem vocês devem honra” (Rm 13,7). Com essas reflexões, São Paulo nos ensina que “todo bom cristão deve ser um honesto cidadão”. Em todas as circunstâncias o fiel discípulo de Jesus é chamado a dar o seu testemunho diante das autoridades como assim fez Jesus Cristo (cf. 1Tm 6,13). A lei escrita não é absoluta, mas tem função pedagógica (cf. Gl 5,23-25). A lei absoluta é o amor vivido por Cristo (cf. Gal 5,13).
  3. O zelo pela família: na primeira carta aos Coríntios, Paulo denuncia com muita firmeza, o caso de um incesto na comunidade, ou seja, da convivência marital entre mãe e filho. O fato é avaliado como grave imoralidade que nem mesmo era visto entre os pagãos (cf. 1Cor 5,1). A postura seríssima de Paulo, demonstra a sua grande sensibilidade para com os valores da família que constituem a base da moralidade da sociedade. Marido e mulher são estimulados ao amor reciprocamente e os filhos devem se exercitar na obediência (cf. Col 3,18-19). A família deve ser defendida diante dos promotores da imoralidade e da perversão que ensinam aquilo que é vergonhoso (cf. Tt 1,10-12). Na carta aos hebreus afirma: “Que todos respeitem o matrimônio e não desonrem o leito nupcial, pois Deus julgará os libertinos e adúlteros” (Hb 13,8).
  4. A ciência a serviço da vida: na frente do conhecimento está o princípio supremo da Caridade. “Ainda que eu tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência… se não tivesse o amor, eu não seria nada” (1Cor 13,2). Guiada e fundamentada no amor, a ciência deve estar então, a serviço da vida, da paz e da justiça. O puro conhecimento provoca a vaidade, o amor ao contrário, sempre edifica (cf. 1Cor 8,1).
  5. A ética na cultura e na religião: Paulo se manifesta com muita firmeza diante daqueles que propagavam a perversão dos bons costumes, disseminando falsas doutrinas que provocavam mal-estar nas famílias, na vida religiosa e na comunidade em geral. Eram “falsos apóstolos, operários fraudulentos, disfarçados de apóstolos de Cristo” (2Cor 11,13). Na carta aos hebreus alerta os fiéis para que não se deixassem levar por nenhum tipo de doutrinas estranhas (cf. Hb 13,9). Paulo adverte sobre a mentalidade dos homens dos últimos tempos: “serão egoístas, gananciosos, soberbos, blasfemos, rebeldes com os pais, ingratos, iníquos, sem afeto, implacáveis, mentirosos, incontinentes, cruéis…” (2Tm 3,2-3). E continua alertando: “vai chegar o tempo em que não se suportará mais a sã doutrina; pelo contrário, com a comichão de ouvir alguma coisa, os homens se rodearão de mestres a seu bel-prazer. Desviarão seus ouvidos da verdade e os orientarão para as fábulas” (2Tm 4,4-5).
  6. A fé em Cristo põe fim à escravidão. Paulo não propõe uma ruptura brusca da estrutura da cultura do seu tempo, mas estimula uma transformação na qualidade da relação entre senhores e escravos, judeus e gregos, fiéis e pagãos. A partir do batismo as relações humanas devem ser de acolhida, respeito, justiça e igualdade e não de dominação de um sobre o outro (cf. Ef 6,6-9; Col 4,1); escravos ou livres são irmãos e por isso, entre eles, devem prevalecer as relações de fraternidade (cf. 1Tm 6,1-2; Carta a Filêmon). Para os batizados, toda e qualquer forma de injustiça deve ser banida, seja nas relações interpessoais quanto nas trabalhistas (cf. 2Tm 2,6-7; 1Tm 5,17-20). Alicerçados no amor fraterno, os discípulos de Jesus são chamados à aquisição de uma nova mentalidade abandonando o “homem velho”, evitando paixões enganadoras, a mentira, o roubo, a aspereza no trato, raiva, gritaria, insulto, e todo tipo de maldade (cf. Ef 4,22-30).
  7. A importância do trabalho: em diversas ocasiões Paulo falou da importância da sua autossustentabilidade, vivendo dignamente com o seu próprio trabalho para não ser peso para ninguém (cf. 2Tss 3,6-9; 1Cor 4,12; Ef 4,28). Na comunidade de Tessalônica deixou esta norma: “quem não quer trabalhar, também não coma” (2Tss 3,10). Cada membro da comunidade, gozando de boa saúde e tendo condições de servir é chamado a comer o próprio pão, trabalhando em paz (cf. 2Tss 3,12). Cada um receberá de Deus a sua recompensa segundo seu próprio trabalho (cf. 1Cor 3,8-9).
  8. A questão financeira: em diversas ocasiões Paulo fala da ambivalência do dinheiro. Escrevendo a Timóteo o alerta dizendo que a “origem de todos os males está no apego ao dinheiro. Por causa da ânsia de dinheiro, alguns se afastaram da fé e afligem a si mesmos com muitos tormentos” (1Tm 6,10). Lamenta afirmando que homens de espírito corrupto fazem da religião fonte de lucro, sendo ávidos pelo dinheiro (cf. 1Tm 6,6). Para Paulo a riqueza material é uma armadilha levando quem é movido por desejos insensatos e perniciosos, a se afundar na ruína (cf. 1Tm 6,9). Pede a Timóteo que “admoeste os ricos deste mundo, para que não sejam orgulhosos e não coloquem sua esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que nos dá tudo com abundância para que nos alegremos. Que eles façam o bem, se enriqueçam de boas obras, sejam prontos a distribuir, capazes de partilhar. Desse modo, estão acumulando para si mesmos um belo tesouro para o futuro, a fim de obterem a verdadeira vida” (1Tm 6,17-19). A sensibilidade para com os pobres e a promoção da justiça é um compromisso permanente da Igreja (cf. 2Cor 9,9). A Igreja não deve se esquecer dos pobres (cf. Gal 2,10).

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Quais outros temas sociais são tratados por Paulo?
  2. O que mais lhe chamou a atenção desses temas?
  3. O que esses temas sociais têm a ver com a catequese?

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