QUARESMA E CAMPANHA DA FRATERNNIDADE 2

por Dom Pedro José Conti

Bispo da Diocese de Macapá

A página evangélica da Transfiguração do Senhor (Mc 9,2-8), que encontramos no Segundo Domingo da Quaresma, está bem no centro do escrito de Marcos. Além do acontecimento extraordinário deixamo-nos conduzir pela catequese deste evangelista. Precisamos entender quem é este Jesus para vencer a tentação de fugir na hora da Paixão dele. Só uma fé sólida e luminosa poderá superar o medo do sofrimento e da morte.

O evangelho de Marcos se abre com as palavras: “Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1,1). No momento do batismo no rio Jordão é a voz do Pai que declara: “Tu és o meu Filho amado; em ti eu me agrado”. Na Transfiguração a voz do Pai confirma: “Este é o meu Filho amado. Escutai-o!” Pedro também confessará: “Tu és o Cristo”. Na hora da paixão aparece o letreiro que Pilatos mandou colocar sobre a cruz: “O Rei dos Judeus”. Rei e Ungido, Cristo, são títulos equivalentes. Por fim encontramos as palavras do centurião romano: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus”. Dois pagãos confirmam a identidade de Jesus. No entanto, Jesus quando fala de si mesmo se apresenta como “o Filho do Homem”, com referência à antiga profecia de Daniel. Voltando à página da Transfiguração, Jesus, luminoso, está entre Moisés e Elias e conversa com eles. Ele, então, é o novo Moisés e o novo Elias, mas também é o Homem Novo, o “novo Adão”. Por que isso é tão importante? O “velho” Adão não resistiu à tentação do orgulho de querer ser como Deus. Por que devia obedecer? Ainda pensamos: quem é Deus para mandar em nós? Uma compreensão autoritária e não amorosa de Deus nos conduz à desobediência. O próprio Deus de amigo e aliado se torna inimigo, alguém que atrapalha os nossos planos de poder e dominação. Jesus é o “novo Adão” que resgata a humanidade com a sua obediência confiante no Pai. Ele venceu a tentação de desistir. Não desceu da cruz quando lhe gritavam de “salvar a si mesmo” . Só assim teriam acreditado. O Filho de Deus, porém, não se tornou humano para salvar a si mesmo, mas para abrir a toda a humanidade um novo caminho para encontrar e reconhecer o Deus verdadeiro: generoso e não interesseiro, respeitoso da liberdade humana e não um fiscal  ameaçador. Um Deus “amor” que somente doa e se doa a quem o acolhe e confia nele como Pai amoroso. Sempre, também quando parece não atender aos nossos pedidos. Isto é ter fé no Deus Pai de Jesus Cristo. Não acreditamos num Deus de parte, que dá privilégios somente a alguns e esquece os demais. Num Deus que deve resolver as questões a nossa vantagem. Este seria um deus pagão, fabricado a imagem e semelhança nossa, pronto a fazer a “nossa” vontade. Acreditamos num Deus que, no Filho Jesus, acolhe a todos como filhos e filhas amados e nos conduz com paciência e misericórdia no caminho da fraternidade.

Aqui está o fundamento de toda a amizade social, assunto da Campanha da Fraternidade deste ano. Não podemos apelar a Deus para exigir mais respeito, direitos e bem-estar na vida somente para nós. Menos ainda usar o nome de Deus para praticar injustiças ou agredir aqueles que pensam diferente e têm projetos divergentes dos nossos. É justamente o contrário. Ao reconhecer o Deus de Jesus Cristo como Pai de todos  reconhecemos os laço que fazem de nós uma única humanidade. Não será uma ideologia,  um sistema ou algum iluminado a construir a amizade social porque ainda seria obra humana limitada e passageira. Precisamos reconhecer Jesus como único Mestre,  Deus Pai como único pai de todos e o Espírito Santo como guia a nos conduzir. O “inimigo” é o mal que se aninha em nosso coração e nos impede de enxergar nos outros irmãos e irmãs com os quais deveríamos construir um mundo de diálogo, de colaboração e paz. Deus nos cria todos a imagem e a semelhança dele, mas com muitos dons diferentes, não para disputar entre nós, mas para nos enriquecer uns aos outros com as diversidades. A busca “amizade social” não é a “ilusão” do Papa Francisco, é a proposta possível que surge da nossa própria fé para construir uma nova humanidade, mais unida, fraterna e solidária.

Artigos Anteriores

O TREM SILENCIOSO

Artigo semanal de Dom Pedro José Conti, Bispo da Diocese de Macapá

O NOVO MISSAL

Artigo Semanal de Dom Pedro José Conti, Bispo da Diocese de Macapá.

FOLHAS E FRUTOS

Artigo Semanal de Dom Pedro José Conti, bispo da Diocese de Macapá.

O OVO DA EMA

Artigo Semanal de Dom Pedro José Conti, bispo da Diocese de Macapá.

ELE VIVEU COMO UM SANTO E MORREU COMO UM HERÓI

por  Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá No dia 26 de outubro de 2007, Papa Bento XVI proclamou bem-aventurado Franz Jägerstätter que o próprio Papa definiu como um jovem objetor de consciência que lutou contra o nazismo durante a segunda guerra mundial e...

MISTER SMILE

por Dom Pedro José Conti
Bispo da Diocese de Macapá

TEREMOS QUE DESISTIR DE TUDO

Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Um rico lavrador entrou impetuosamente em casa e exclamou com voz aflita: - Antônia, há uma história terrível na cidade: o Messias chegou! – O que há de tão terrível nisso? – perguntou a mulher. – Acho o máximo. Por que...

PODERIA DAR CONTA SOZINHO?

Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá O santo rei Enrique II da Baviera, junto com a esposa Cunegonda, toda manhã ia na igreja para participar da missa e receber a comunhão. Alguns dos mais importantes membros da Corte disseram para ele: - Majestade, não é...

O AMOR NÃO É AMADO

Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Neste domingo realizaremos mais um Círio em honra de Nossa Senhora de Nazaré. De novo Maria nos convoca para rezarmos e cantarmos juntos os louvores a Deus, Pai de bondade, que olhou com especial predileção aquela jovem...

O FILHO MAIS QUERIDO

Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Perguntaram um dia a um sábio persa: - Tu tens muitos filhos; a qual preferes? O homem respondeu: - O filho que prefiro é o menor até que cresça; o que está longe até voltar; o que está doente até ficar curado; o que...

DIRETORES EXECUTIVOS

Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Eis alguns resultados de pesquisas feitas pela imprensa em 2022. Os 150 Executivos bem mais pagos na Índia receberam 1 milhão de dólares em média no ano passado. Um único executivo...

EU LHE ENTREGO A SUA LIBERDADE

Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Hussein estava à mesa do jantar quando um dos seus escravos, acidentalmente entornou uma vasilha quente sobre os joelhos de seu senhor. O escravo, visivelmente aterrorizado, recitou um verso do Alcorão: - O céu pertence...

NÃO POSSO RECEBER A SUA OFERTA

Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Um rico senhor ofereceu mil rúpias a um pobre religioso indiano. Este perguntou ao homem rico: - Você está me dando mil rúpias. Quanto é que você tem para si mesmo? - Muitos, muitos milhares de rúpias. – foi a resposta....

COMUNHÃO, MISSÃO E PARTICIPAÇÃO

Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Neste final de semana realizaremos em Macapá a 24ª Assembleia Diocesana.  Parece-me correto partilhar um pouco deste acontecimento tão importante para a caminhada da nossa Igreja local. Com efeito, todos os batizados...

A CRIANÇA PULOU DE ALEGRIA

Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Santa Teresa de Calcutá, mais conhecida como “Madre Teresa”, queria que todas as irmãs fossem alegres e sorridentes. Ela dizia: - Lembrem-se que, numa comunidade, a religiosa alegre é como o sol. A alegria é o sinal da...

LONGITUDE E LATITUDE

Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Durante a aula de geografia, uma criança, em sua simplicidade, respondeu às perguntas da professora e disse: - A vantagem da longitude e da latitude é que quando estamos afogando podemos gritar em que longitude e...

SENHOR, É BOM FICARMOS AQUI

 Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos aponta que aproximadamente nove de cada dez brasileiros (89%) dizem acreditar em Deus ou em um poder superior. O levantamento foi feito em 26 países, com 19.731 entrevistados,...

TINHAM DIREITO AO ALMOÇO

Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá (PA) No início do século passado, uma pobre família do Sul da Europa decidiu emigrar para os Estados Unidos. As viagens eram de navio e duravam muitos dias. Levaram consigo bastante pão e queijo; era o que tinham para se...

AS SEMENTES NÃO SELECIONADAS

Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Um irmão falou para o antigo Pai Poimen: - Quando dou um pouco de pão ou algo diferente ao meu irmão, os demônios desvalorizam a minha ação: teria sido dado para agradar o ser humano. O ancião disse: - Mesmo que isso...