CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2024: INTRODUÇÃO GERAL (Parte 1)

por Dom Antônio de Assis Ribeiro

Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do Pará

O tema da Campanha da Fraternidade deste ano é “Fraternidade e Amizade social” e tem como lema “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8). O seu objetivo geral é contribuir para nos despertar sobre o valor e a beleza da Fraternidade humana, promovendo e fortalecendo a experiência da Amizade Social. Esse objetivo nos desafia a superar a cultura da indiferença para com os outros, que nos torna como que portadores do mal da cegueira, da insensibilidade nos proporcionando uma atitude de descaso diante das necessidades alheias.

O tema da Amizade social nos convida a refletir sobre as causas dos conflitos, a hostilidade na relações humanas e a agressividade interpessoal. Onde não há a experiência da amizade, pode haver não somente a indiferença, mas também a violência. São dois graves males.

O tema da CF 2024 nos convida a promover abertos vínculos de amizade, capazes de estimular a comunhão, a reconciliação entre as pessoas e o espírito fraterno favorecendo a promoção do bem comum. Dessa forma a amizade autêntica não é um bem privado e fechado entre duas pessoas ou mais, mais tem uma responsabilidade social. A experiência da amizade aberta estimula a construção de pontes entre pessoas e grupos. É dessa forma que fomentamos o desafio do diálogo que promove a cultura do encontro.

  1. Palavras chaves da CF 2024

O texto base da CF deste ano nos apresenta uma lista de palavras chaves que nos ajuda didaticamente a melhor compreender os horizontes, o conteúdo e a sensibilidade do tema Amizade Social. Falamos muito de amizade genericamente, mas associada ao adjetivo “social” não é comum. Portanto, o tema da CF deste ano nos estimula a pensar a necessidade da abertura da experiência da amizade, que se opõe à experiência daquela fechada, intimista, defensiva, com barreira, indiferente à sua dimensão social.

O tema da CF 2024 nos fala de acolhida, compaixão, comunidade, diálogo, convivência, empatia… A autêntica experiência de Amizade tem a sua fonte no Amor e este, por sua natureza, é sempre aberto, sensível, compassivo, empático, benfazejo. A fonte da amizade  não é egoísta, mesquinha, fechada, seletiva.

O tema da CF 2024 nos convida a pensar e nos treinar na importância da proximidade, da acolhida incondicional, do intercâmbio de dons, pois todos somos portadores de riquezas. Isso só é possível se a experiência da amizade for aberta. Quando dois amigos ou um grupo se fecha na amizade, se empobrece e, dessa forma, não contribui para o bem comum porque esqueceu da sua dimensão social. A família é o primeiro grupo natural de experiência de amizade chamada a abrir-se às necessidades dos outros. Por isso, em geral, aprendemos a ser solidário no seio familiar, pois a sociedade é uma rede de famílias.

O tema da CF 2024 nos desafia a estimular o desenvolvimento integral que é consequência da consciência ativa da corresponsabilidade para com a promoção da paz e da justiça. O desenvolvimento integral implica também o esforço em vista da dilatação do coração, ou seja, da dimensão socioafetiva. Quem não desenvolveu sua dimensão socioafetiva, lamentavelmente, terá sempre dificuldade de relacionamento com os outros e de abertura sem fronteira, sendo capaz de pensar na “família humana”, na “fraternidade universal”, na “civilização do amor e da paz”.

  1. Fenômenos a serem rejeitados

A partir da contemplação do vasto horizonte positivo do tema da CF 2024, podemos imaginar, por outro lado também, um universo de males a serem rejeitados e combatidos porque promovem o adoecimento da sociedade. Um dos primeiros males é a cegueira; esse mal nos proporciona a indiferença às realidades que estão a nossa frente e ao nosso lado. Segundo o sociólogo Zigmunt Baumam, em sua obra a Cegueira moral, “a negligência moral está crescendo em alcance e intensidade, a demanda por analgésicos aumenta cada vez mais, e o consumo de tranquilizantes morais se transforma em vício. Por conseguinte, uma insensibilidade moral induzida e manipulada se torna uma compulsão ou uma “segunda natureza”: uma condição permanente e quase universal – e as dores são despidas de seu papel salutar de prevenir, alertar e mobilizar. Com as dores morais aliviadas antes de se tornarem verdadeiramente perturbadoras e preocupantes, a teia de vínculos humanos tecida com os fios da moral torna-se cada vez mais débil e frágil, vindo a descosturar-se.” (BAUMAN, Zigmunt… Cegueira moral, 2014, p. 181). Uma sociedade que padece do mal do “anestesiamento socioafetivo” jaz na insensibilidade; isso significa a ausência da semente da necessidade dos outros.

No mundo da “cegueira moral” a experiência das amizades é fechada, intimista, isolada, segura (defensiva), internamente prazerosa, mas insensível à dor dos outros. Essa experiência de amizade é intolerante a qualquer forma de incômodo. A abertura à experiência do incômodo é uma natural consequência da sociabilidade.

Um grupo que vive a experiência da amizade sem a dimensão social e senso de bem comum, facilmente cai em atitudes extremistas rejeitando todos aqueles que não tem afinidade com seus interesses. Dessa forma estimulam a rejeição, o preconceito, a segregação, a injúria étnica, cultural e ou religiosa, promovendo a inimizade e os conflitos.  Assim nascem as guerras entre povos, alicerçadas na intolerância religiosa, no nacionalismo que alimenta a xenofobia.

  1. A origem do tema “amizade social”

O tema da Campanha da Fraternidade de 2024 é inspirado na Carta Encíclica Fratelli Tutti: sobre a fraternidade e a amizade social – do Papa Francisco – publicada no ano 2020. Num mundo marcado por múltiplas formas de violências, grupos fechados e tendências extremistas (ideológicas, políticas, religiosas), somos chamados a promover a experiência da Amizade aberta que ultrapassa barreiras e promove o diálogo, a solidariedade, a comunhão, a compaixão, a justiça, a paz e a harmonia entre as pessoas.

Nessa encíclica (Fratelli Tutti= todos irmãos) o Papa lança para a humanidade um sonho: “entrego esta encíclica social como humilde contribuição para a reflexão, a fim de que, perante as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros, sejamos capazes de reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras” (FT,6). François Lyotard (1924-1998), sociólogo francês, nos anos 70 em sua obra “O pós-moderno” já alertava o mundo sobre surgimento de uma nova sensibilidade marcada pelo fenômeno do desaparecimento dos grandes sonhos batizando essa nova era de pós-modernidade (cf. LYOTARD, 1998. p. 26). Ele se referia às grandes correntes filosóficas (iluminismo, positivismo, comunismo etc). No campo das relações humanas a sensibilidade pós-moderna faz pouco caso com o conteúdo e a dinâmicas das relações interpessoais.  O que mais se deseja não é a promoção de senhos mais é o «haurir satisfação» (cf. BAUMAN, Ética pós-moderna…,115-127). O intimismo interpessoal leva as pessoas a se fecharem no mundo do prazer e a não pensar em outras dimensões. É a “amizade” que gera escravidão.

O Papa Francisco, persiste em seu sonho dizendo: “Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade… Ninguém pode enfrentar a vida isoladamente; precisamos duma comunidade que nos apoie, que nos auxilie e dentro da qual nos ajudemos mutuamente a olhar em frente. Como é importante sonhar juntos! Sozinho, corres o risco de ter miragens, vendo aquilo que não existe; é juntos que se constroem os sonhos. Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos” (FT,8).

PARA REFLEXÃO PESSOAL:

  1. O que o tema “amizade social” me provoca?
  2. Por que a experiência da “amizade social” exige desenvolvimento humano?
  3. Qual é o grande sonho do Papa Francisco presente no número 8 da Fratelli Tutti e por que é tão importante?

Artigos Anteriores

ENCONTRO DE GERAÇÕES: III DIA MUNDIAL DOS AVÓS E DOS IDOSOS

Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém  Introdução O IV Domingo de julho foi instituído pelo papa Francisco como o Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, motivado pela celebração do dia de Sant’Ana e São Joaquim, os avós de Jesus, no dia...

A CATEQUESE E A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA (Parte 1)

Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém Não são poucos os párocos que acusam o afastamento dos jovens logo após a crisma. Parece que a celebração da crisma é uma meta a ser alcançada e, daí basta, entra-se em férias da Igreja. Há um...

“MARIA LEVANTOU-SE E PARTIU APRESSADAMENTE”

Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) deste ano vai acontecer em Lisboa de 01-06 de agosto. Milhões de jovens de diversas religiões, mas sobretudo católicos, estarão reunidos durante uma semana...

A LIDERANÇA DO BOM PASTOR (final)

Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém Introdução Na Bíblia há uma abundância de referências ao líder como pastor do seu rebanho. Eram considerados pastores todos aqueles que tinham responsabilidades sobre os outros, de modo...

A ESPIRITUALIDADE DO CORAÇÃO

Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém É costume no mês de junho na Igreja Católica, se fazer uma especial memória do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria. Vivendo numa cultura muito marcada pela insensibilidade,...

O ESTILO DE LIDERANÇA DE JESUS CRISTO (Parte 19)

Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém Continuemos nossa reflexão sobre o estilo da liderança de Jesus. Na próxima edição concluiremos esta série de textos com a parábola do Bom Pastor. Jesus Cristo é o líder por excelência. Por...

O ESTILO DA LIDERANÇA DE JESUS CRISTO (Parte 18)

Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém Introdução É clássica a afirmação que diz que Jesus é modelo de todos os líderes; que Jesus é o líder perfeito; que Jesus é o mestre da liderança; que Jesus é referência na arte de liderar...

A DIMENSÃO PASTORAL DAS FESTAS JUNINAS

Dom Antonio de Assis Ribeiro Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém  Introdução O mês de junho, de norte a sul do Brasil, é caracterizado pelas festas folclóricas, mas com uma forte roupagem religiosa. Por isso, nas aglomerações festivas de rua e nas instituições...

A LIDERANÇA NO TESTAMENTO ÉTICO-PASTORAL DE SÃO PAULO (Parte 17)

Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém  Introdução Antes de concluir esta série de reflexões sobre liderança pastoral, quero lhe convidar a fazer uma leitura orante do testamento ético e pastoral de Paulo. Esse texto se encontra em...